Atenção carnavalescos e presidentes de escolas de samba!

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sábado, 11 de outubro de 2014

Enredo 06- Deixo a Praça e caio na Folia. Só volto pra lá quando amanhecer o dia: é nesse visual que eu vou!

Deixo a Praça e caio na Folia. Só volto pra lá quando amanhecer o dia: é nesse visual que eu vou!
Renato Coelho Barbosa de Luna Freire1

I – APRESENTAÇÃO


As chamadas imaginárias urbanas (estátuas, marcos, chafariz, esculturas, monumentos, construções, etc.) demarcam o espaço público através dos grupos sociais que imprimem seus discursos pela via do apelo visual. Procuram retomar o passado, a partir de narrativas históricas, dando novos significados aos episódios, reescrevendo-os.

...a imaginária urbana é um fato da sociedade contemporânea, na medida que o seu sentido monumental confere às imagens um caráter histórico e artístico, identificado com a história nacional da política ou das artes. Assim, serve como um instrumento de recordação de eventos e biografias. Resulta que a imaginária urbana se constitui em um discurso histórico, que serve como recurso didático na promoção do civismo, sobretudo quando sua produção envolve a mobilização da sociedade, reatualizando seu conteúdo histórico por rituais comemorativos que celebram a comunhão social. A imaginária urbana desenvolve, assim, seu caráter histórico peculiar. Organiza simbolicamente o tempo histórico dos homens da cidade, inscrevendo-se na paisagem. A história se torna campo da memória social territorializada.2

         Expostas em determinado tempo e espaço, a cada época histórica a intencionalidade dos homens ao demarcar o espaço varia, de acordo com sua visão de mundo. É uma das formas dos grupos sociais inscreverem seu poder numa determinada sociedade, elaborando diferentes representações do próprio grupo ao qual pertence e da própria sociedade. Como lembrou o historiador francês Marc Bloch, tudo que o homem toca, transforma e produz é passível de análise histórica, já que a história é o ramo do conhecimento que acompanha o percurso dos homens no tempo.
As imagens urbanas são assim expostas nos espaços centrais da cidade para fazer valer a posição de determinados grupos sociais, elaborando representações. Colocam-se como excelente tema para enredo de carnaval, justamente por apresentar as sociedades a partir de suas representações visuais.
E os enredos buscam justamente ressignificar as histórias das sociedades, valendo-se representações elaboradas a partir de visões de mundo pautadas no tempo atual, impressas pelos carnavalescos nos desfiles. Mantém diálogo entre o conhecimento sistematizado e erudito e o conhecimento popular. A comunicação é viabilizada através das artes plásticas, artes cênicas, música, arquitetura, história e tantos conhecimentos utilizados na elaboração dos enredos, que desembocam na chamada interdisciplinaridade. Nesta perspectiva, as imagens são colocadas como um dos múltiplos caminhos para se pensar as sociedades e suas histórias.


II – REFLEXÕES SOBRE AS IMAGENS NA HISTÓRIA



Desde o período denominado pré-história, a humanidade ergue seus marcos espaciais, como menires, dolmens e as pinturas rupestres. Daí, diversas sociedades antigas deixaram como legado um conjunto imagético muito valioso. As sociedades da Mesopotâmia construíram imagens que persistiram no tempo; a arquitetura e as estátuas da chamada Atiguidade clássica; o espaço público romano e suas representações de poder: o muro de Adriano, o Coliseu, arcos do triunfo e sua exuberante arquitetura (aquedutos, via Apia, fontes), entre outros. Egito, com as famosas pirâmides, a esfinge, seus palácios e a biblioteca e o farol de Alexandria que orientava os navegantes, sendo considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo.
A queda do Império Romano foi marco histórico para uma nova temporalidade, novas mentalidades. A idade média coloca a imagem do cristianismo em primeiro plano, seus castelos e monastério representam a imagem da Europa de Carlos Magno. Os monges copistas, com suas iluminarias apresentando a sociedade das três ordens; sociedade esta representada no jogo de xadrez, com suas peças representando as ordens ou estamento. Um jogo bastante visual pelas representações das peças e do tabuleiro. O estilo Gótico com seus vitrais marcou a arquitetura e os espaços públicos.
A idade moderna representa a formação dos Estados Nacionais. A figura do rei ganha bastante notoriedade, uma vez que representa o poder político, econômico e espiritual não apenas de uma região limitada como o feudo, mas de todo o Estado (absolutismo). As estátuas eqüestres ganham os espaços públicos com a remodelação arquitetônica das capitais, uma vez que a arquitetura recebe a contribuição da perspectiva. Michelangelo é representante artístico do período conhecido como Renascimento Cultural produzindo esculturas eternizadas na história da arte. Uma geração que contou com outros artistas, e assim como Michelangelo, também patrocinados pela Igreja Católica na construção de Igrejas, Estátuas, remodelando espaços na construção das novas capitais européias.
O período moderno foi o encontro de diferentes culturas: no oriente, os portugueses venceram o Cabo das Tormentas e atingiram as Índias. Na rota oeste, Espanhóis encontraram civilizações americanas. As cores do Novo Mundo fizeram acreditar, no imaginário, a descoberta do paraíso terrestre. Espanhóis e portugueses, com a missão de levarem a fé católica aos povos que não a conheciam, demarcavam espacialmente seus novos territórios ocupados: levantava-se uma cruz, construía-se capelas como marcos de ocupação e defesa. Pela imposição cultural, transmitiram aos indígenas os signos e significados das imagens através da evangelização procurando inseri-los no sistema simbólico europeu.
As cidades italianas Gênova e Veneza, aliadas dos árabes no comércio oriental, impunham a moda dos tecidos indianos e sedas chinesas e, ainda, utilizavam o corante extraído de uma árvore nativa do Novo Mundo para tingi-los e alcançarem alto valor no mercado (pau-brasil). A vidraçaria veneziana tornou-se opção para as residências, palácios e prédios públicos, permitindo a visibilidade mesmo em dias chuvosos ou frios, além de melhor iluminação.
Os reis de França, no auge do período absolutista, utilizavam a produção de imagens e enriqueciam o imaginário. Estátuas, moda, palácios, móveis e utensílios foram exaustivamente utilizados. Luis XIV, o Rei Sol, utilizou exaustivamente as imagens para promoção de seu reinado. Construiu o luxuoso Palácio de Versalhes, onde se realizava banquetes, bailes e desfilava-se com a última moda.
Enquanto isso, Portugal retirava ouro da sua mais rica colônia. Vila Rica, localizada na região das Minas Gerais se urbanizava, trazendo uma nova imagem para a colônia. O ouro atraiu forasteiros na ganância de rápido enriquecimento. Estalagens e prostituição faziam parte do cenário da região mineira. O precioso metal também atraía artistas. O mais famoso recebeu a alcunha de Aleijadinho, produzindo maravilhas artísticas, como os profetas de Congonhas, a via Sacra em escala humana e tantas obras barrocas.


Imagens marcantes no espaço colonial brasileiro, os Pelourinhos serviram como símbolos do poder público. Era o lugar de castigos corporais para criminosos e escravos rebeldes. Localizado em frente a Câmara Municipal, recebia negros para o castigo público, exemplar aos demais escravos que pensavam em conquistar a liberdade pela fuga. Outro castigo dirigido aos que tentassem subverter a ordem portuguesa era o enforcamento seguido do esquartejamento, como no caso de Tiradentes que, sem querer edificar o “herói nacional”, chamo atenção para a relação de poder e as formas de fazer valer a imagem da dor e da morte e, ainda sem o corpo ter sido enterrado, como estratégia de coerção social.
Tanto o açoite aos negros, quanto ao crime de lesa-majestade são penas públicas, ou seja, ocorridas nos espaços centrais da cidade para conhecimento de todos, participando do imaginário do período e remetido às gerações futuras como modelo de injustiça social e formas de poder.
Em 1777 Portugal foi acometido pelo terremoto, seguido por dias de incêndios, que marcou a memória da cidade de Lisboa e da nação lusitana. O ouro brasileiro foi revertido na reforma da cidade de Lisboa. As ruas tortuosas cederam lugar ao traçado reto da arquitetura-arte e a imagem eqüestre do rei D. José I foi exposta no Largo do Rossio, sob orientação do astuto Marquês de Pombal. Uma nova ordem é colocada na produção imagética do espaço urbano da metrópole a partir do desastre. Os desastres são vistos como oportunidade de se reorganizar os espaços urbanos. Já o Novo Mundo, era a oportunidade de se imprimir o traçado racional em terras ainda “virgens”.
A Revolução Francesa inaugura uma nova temporalidade histórica. O período Contemporâneo é marcado pela violência com que se deu a ascensão da classe burguesa. A tomada da Bastilha é o marco inicial do movimento e o período do Terror é  lembrado pela figura da guilhotina. A enciclopédia era a imagem do pensamento iluminista e da tentativa de reunir um grande número de informações.
Diversos são os revolucionários que terão seus bustos produzidos pelo artista Roudon: Voltaire, Darnton, Marat, dentre outros personagens históricos foram retratados. O general Napoleão Bonaparte consolida a Revolução e expande os domínios franceses. Auto-coroado imperador, produz imagens dos seus feitos: arcos do triunfo, pinturas e esculturas.
Em 1807, as tropas francesas invadem Portugal, que se aliara a Inglaterra, inimiga direta de Bonaparte. O príncipe regente d. João, a família real e uma comitiva estimada entre dez e quinze mil pessoas atravessam o Atlântico num episódio inédito. Enquanto a comitiva real seguia para o continente americano, as tropas francesas violavam os túmulos dos reis portugueses, na busca de jóias e relíquias. A restauração dos túmulos levou em conta a sua violação. A França napoleônica também saqueou a arte de outras nações, como a egípcia. Vale lembrar que os principais museus do mundo (Londres, Paris) criaram seus acervos constituídos a partir de objetos saqueados de outros povos.
 A corte portuguesa se instalava na sua colônia mais rica, localizada no continente americano. Sem estrutura, a cidade do Rio de Janeiro, então capital da Colônia, foi transformada da noite para o dia, na Capital do Império ultramarino português. Na necessidade de dar ares de capital imperial, o monarca constrói diversas instituições necessárias a administração do Império. Novos prédios públicos são erguidos, a partir da matriz estilística européia. Em 1816 aportou a chamada “missão francesa”, trazendo pintores, arquitetos, artistas, professores. Uma nova imagem do Brasil foi construída, a partir das matrizes culturais européia.
O retorno do rei português a sua terra de origem após treze anos de estadia possibilitou que se filho, d. Pedro, escalado na regência, proclamasse a “independência” do Brasil. Imagem marcante deste episódio histórico foi denominado “grito do Ipiranga”, que povoa até os dias atuais o imaginário da população e ainda fortemente presente nos livros didáticos de história.
Feito imperador, D. Pedro I inicia a elaboração da primeira constituição do Brasil, monumentalizada na estátua eqüestre onde a figura do imperador D. Pedro I apresenta a Constituição e as alegorias representativas da nacionalidade sustentando o Imperador marca a memória através do monumento inserido no espaço público remodelado e batizado com mesmo nome remontando o episódio histórico, a Praça da Constituição (atual Praça Tiradentes, Centro, RJ). A imagem de José Bonifácio retoma o discurso da importância política da família Andrada, ricos cafeicultores paulistas de grande influência no império.
Vale lembrar que a “independência” fez com que houvesse a necessidade de uma nova história para a Nação, já que se tornava independente de Portugal. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro teve a missão de escrever esta história, de matriz européia, com uma ínfima contribuição do indígena e o desprezo pela formação africana.
O Segundo Reinado foi marcado pela afirmação do café como produto de exportação, movimentando a economia. A chamada Tarifa Alves Branco possibilita um surto industrial, tendo o Barão de Mauá como representante do empreendedorismo industrial. A cidade se desenvolve com as linhas de bondes e a locomotiva é  presença marcante. Os jornais circulam nas ruas: alguns monarquistas, outros republicanos e muitos abolicionistas, trazendo as discussões ocorridas no meio urbano para suas páginas.
As cidades inglesas apresentam a imagem do progresso industrial em contraste com a pobreza do proletariado. Paris passava pela experiência da reforma urbana comandada pelo Barão de Haussmann, determinada por Napoleão III, remodelando a cidade e servindo de modelo para intervenções urbanísticas em várias capitais. Dickens e Poe retratam a cidade londrina, enquanto Baudelaire e Walter Benjamin, a partir de suas visões de mundo, descreveram as transformações parisienses.
O regime político instaurado na Brasil a partir de 1889 demandou uma nova configuração visual do Estado brasileiro. A desconstrução da monarquia passou por remodelação de prédios públicos, intervenções urbanísticas e a colocação de diversas estátuas que imprimiram nos espaços públicos os discursos dos novos dirigentes políticos do país. O Rio de Janeiro, mantendo-se como capital, recebeu diversas peças imaginárias. O antigo Largo do Carmo, área do poder central intimamente ligada com a imagem na monarquia luso-brasileira recebe novo nome e passa a se chamar Praça XV de Novembro, alusão a data da Proclamação da República. A estratégia buscou não apenas demarcar espacialmente o novo regime que se instaurava, como retirar da memória espacial da cidade a presença do Antigo Regime.
A imagem do General Osório é implantada na Praça e a atual Praça da Cinelândia recebeu outras peças remontando ao feito. Duque de Caxias, após sua morte, recebeu seu Pathernon onde foi sepultado seus restos mortais. Os símbolos da pátria também são reelaborados como novas imagens a serem cultuadas pelos cidadãos: a bandeira e hino nacionais, além do emblema da República são espalhados nas repartições públicas e nas antigas edificações pertencentes à Monarquia.
A Praça Marechal Deodoro da Fonseca, localizada na Glória, com peças que imprimem no espaço os personagens que participaram do episódio histórico, além da alegoria da República. No ano 1900, coloca-se na Glória a imagens de Pedro Álvares Cabral como o “descobridor”. O discurso da imaginária reforça a matriz da cultura Européia eleita pela pequena parcela da população, que era a elite governante da nação.
Ainda no início do novo regime, a remodelação na nova Capital Federal se fez necessária visando “modernizar”  o país e colocá-lo participante da nova ordem mundial capitalista (daí a reforma do porto). A reforma Pereira Passos ou “bota-abaixo”, de acordo com a situação em que o indivíduo se encontrava, utilizou das recentes técnicas “urbanistas” e medidas médico-sanitárias, em ações preconceituosas e excludentes. Uma nova imagem da cidade do Rio de Janeiro foi elaborada a partir das intervenções.


Os anos 1920 representaram momentos de contestações às oligarquias rurais. Tenentismo, Semana de Arte Moderna, Exposição do Centenário da Independência, fundação do Partido Comunista do Brasil (P.C.B.). A “reforma Agache”, elaborada pelo experiente arquiteto francês Alfred Agache preparou a cidade para receber a exposição internacional. Em Niterói, o presidente Washington Luís inaugurava, em 1927, o monumento  Triunfo da República, que marca a participação dos fluminenses no episódio republicano: Quintino Bocayuva, Benjamin Constant e Silva Jardim.
A crise capitalista de 1929 trouxe a decadência da economia cafeeira e as oligarquias não mais conseguiram se sustentar no poder. A Revolução de 1930 colocou novo grupo no poder. Getúlio Vargas, chefe do chamado Governo Provisório, trouxe o discurso da nacionalidade, em oposição às ações regionalistas da chamada “política dos Governadores”, fortemente empregada na chamada República Velha.
Em oposição às oligarquias, Getúlio Vargas implementa a industrialização com bases nacionais. O espaço urbano é visto como sinônimo de modernidade, recebendo os novos trabalhadores que procuravam os benefícios oferecidos pelo Chefe político: saúde, educação, leis trabalhistas e previdenciárias, alimentação. Diversos órgãos foram criados e o espaço do Rio de Janeiro ganha novos prédios públicos, como o Palácio Capanema e o Ministério do Trabalho.
Em 1937, Getúlio Vargas ganha poderes ditatoriais com o Estado Novo e intervém de forma autoritária. Em 1941 inicia a construção da Avenida Presidente Vargas e começou a demolição dos casebres da Praça Onze. Região do meretrício, era a região também transformadas pelos negros em reduto de sambistas. As famosas tias baianas, como Tia Ciata, que até hoje são lembradas nos desfiles das escolas de samba, representado pela ala das baianas, quesito obrigatório nos desfiles. A Praça Onze foi o primeiro espaço para os desfiles das primeiras escolas de samba.
No ano seguinte, o Brasil entre na guerra com os americanos e seus aliados europeus. Ocorrida a vitória, ergue-se em memória aos Pracinhas um monumento no Aterro do Flamengo, não apenas para lembrar o feito, mas para marcar a memória para que o acontecimento bélico não mais se repetisse. No município de São Gonçalo  coloca-se peças de guerra na Praça que também homenageia os ex-combatentes. A Praça dos ex-Combatentes, localizada em frente ao Campi da UERJ no município, é a primeira praça a ser construída com peças de guerra que estiveram presentes no conflito.
O futebol também mereceu suas representações. O símbolo do Botafogo Futebol e Regatas é uma imagem-fonte do “Manequinho”, estátua originária da Bélgica e exposta em frente a sede social do Clube. O capitão do bicampeonato mundial, o zagueiro Belini, foi monumentalizado na entrada principal do Estádio Maracanã. Já o ex-jogador e ídolo do Flamengo Zico imagem em que pratica um voleio, em memória de ser o maior artilheiro do Maracanã e, em frente à Sede do C. R. Flamengo, recentemente, inaugurou-se uma imagem em que comemora um gol, fruto das homenagens pelos seus 60 anos de vida.
Não apenas políticos e militares que ganham monumentos. Dorival Caymmi, Pichinguinha e Cartola encontram-se monumentalizados na cidade. O peça representativa do poeta Carlos Drumond de Andrade é alvo de constante de vandalismo, onde seus óculos foram retirados repetidas vezes. Machado de Assis, Carlos Gomes, Luís de Camões, Mahatma Gandi, D. João VI, D. Eugênio Sales, Memorial Getúlio Vargas, Simon Bolívar, Monumento aos Astecas, Estátua da Liberdade, Oscar Niemeyer em conversa com JK em Niterói, cidade que também monumentalizou o índio Araribóia, na famosa imagem em frente ao terminal das barcas (a imagem tem forte discurso político que, na ausência de uma ligação com o grupo político que a inseriu no espaço central da cidade – o que chamamos de tradição – a imagem sofreu o processo de perda de sentido, restando apenas a imagem do “fundador” da cidade). Osvaldo Cruz em Botafogo e o busto de Pereira Passos em frente a Candelária.
A perda do status de Capital, transferida para Brasília coloca mais uma imagem de poder econômico ligando suas cidades. A ponte Rio-Niterói, ligando o Rio de Janeiro a Niterói tornou-se imagem marcante na Baía de Guanabara.
A imagem de Zumbi, João Cândido e da família de escravos de São Gonçalo foram discursos da resistência negra no jogo do poder, mesmo sendo o terceiro monumento reforçar o discurso da liberdade dada pelos brancos.
A cidade do Rio de Janeiro, diante da natureza exuberante, tem a peculiaridade seu relevo como simbólos: o “Gigante Adormecido”  formado pela cadeia de montanhas que guarda contos populares, sendo uma das versões defendendo a hipótese de ter sido construído por extraterrestres (é claro que no sambódromo deverá estar acordado, caíndo no samba!). A Pedra da Gávea com suas “inscrições fenícias”. Pão de Açúcar e o Corcovado, que abriga a imagem mais famosa da cidade, o Cristo Redentor. A orla carioca, e o desenho do calçadão de Copacabana integram uma leitura imagética, juntamente com o corpo das mulheres cariocas (esculpido pelo maior de todos os artífices), integram as belezas ditas naturais. Para Michelangelo, como anotou Romain Rolland, “para este criador de formas admiráveis, que era simultaneamente um piedoso crente, um belo corpo era algo de divino ― um belo corpo era o próprio Deus surgindo sob o véu da carne”3.
Diversos monumentos deixaram de ser mencionados para não tornar exaustiva a apresentação. O esforço aqui realizado defendeu a importância das imagens na construção cultural e histórica do Rio de Janeiro e da sociedade brasileira. O Rio de Janeiro, por ter sido capital por quase três séculos recebeu grande número de peças, na estratégia de grupos intencionando escrever a história da cidade e da nação através do discurso visual. As imagens, longe de estarem isentas de significados e discursos políticos, procuram demarcar espacialmente a intencionalidade dos grupos diante do corpo social. Logo, se apresenta como rico material de enredo, por possuir em seu conjunto ações humanas bastante remotas até o tempo presente, mantendo urdiduras que ligam culturalmente, socialmente e politicamente os homens, as sociedades e civilizações no percurso do tempo.

III- DA PROPOSTA DO DESFILE

O enredo apresenta a história do Rio de Janeiro e da nação brasileira a partir da estatuária, numa relação entre o erudito e a apropriação popular das imagens. Parte do desejo humano desde as eras remotas de inscrever símbolos no espaço, a herança da Antiguidade Clássica na produção de imagens dentro da cultura cristã ocidental onde estamos inseridos. O desfile inicia-se com Michelangelo dando vida as obras que são animadas durante todo o desfile, até o último carro em que voltam a ficar inanimadas. Como se elas “acordassem” para o carnaval e ao seu término, voltassem aos seus lugares de origem. “No Rio de Janeiro, até estátua desce do pedestal pra brincar o carnaval”

a.      Comissão de Frente: “Perché non parli ?”
Os blocos de mármores ganham vida pelas mãos de Michelangelo. Baseado na lenda do artista que, ao terminar a estátua de Moisés, diante da beleza e perfeição da obra, num suspiro do criador ao dar vida a imagem, bateu com um martelo na estátua e começou a gritar: Por que não falas? (Perché non parli ?) Assim, um ator representando Michelangelo daria vida as estátuas do Rio de Janeiro ao tocá-las (e não as obras do artista!). As estátuas seriam artistas de rua que se apresentam em diversas praças da cidade. A comissão de frente introduzirá o enredo que será esta relação das estátuas com a vida da cidade, com seu cotidiano. Blocos de mármores transformam-se em estátuas vivas.

b.     Carro Abre-alas
Representa a Antiguidade Clássica. A Grécia com suas representações de Deuses. As estátuas teriam a função de trazer para o nível de entendimento humano ao personificar os deuses ou “divinizar” os heróis da cidade e os seus vencedores olímpicos. Aqui poderá utilizar esportistas brasileiros para homenageá-los e retomar a idéia clássica dos jogos, uma vez que a cidade será sede olímpica.

c.      Ala “Os Romanos”
A ala apresenta as legiões romanas avançando sobre os povos, mostrando sua organização e poderio militar. Não poderá  faltar as alegorias e símbolos transportados pelos romanos. A ideia da ala será mostrar a força de Roma e sua organização militar.

d.     Carro “A Força de Roma”
Mostra como os romanos receberam influência de diversos povos conquistados e desenvolveram sua arte. Marte, o Deus da Guerra será o destaque. O Coliseu e o Fórum também são projetados como espaços que dispunham das imagens, além das imagens dos imperadores e seus Arcos do Triunfo, valorizando a fantástica arquitetura romana.

e.      Ala “O Tempo das Trevas”
A queda do império romano levou a ruralização da Europa. A chamada alta idade média representou a invasão de diversos povos, espalhando o medo pela Europa. O cristianismo se consolida como religião “universal” e a Igreja Católica ditava os hábitos e costumes que deveriam ser seguidos pela população. A sociedade é representada pelas três ordens: clero, nobres e camponeses, que estão relacionadas. As imagens relacionadas com bestas apocalípticas, a morte, a escuridão, o inferno. Esta Ala apresenta o cavaleiro (no jogo de xadrez, o cavalo representa o cavaleiro, a nobreza do uso deste animal) combatendo os monstros da Catedral de Notre-Dame, Paris, a Gárgula4.


f.       Carro “Renascimento: a explosão de Criatividade”
O homem vitruviano de Leonardo Da Vinci é o grande símbolo do carro. As estátuas eqüestres e as imagens bíblicas serão representadas. O ideal de homem e o conceito de nu tratado por Michelangelo deverá ser apresentado para entender a nudez e a questão do pudor, bastante confundida nos desfiles. A imagem da Capela Sistina de Michelangelo – a criação de Adão – apresenta este modelo da relação do corpo do homem como reprodução do divino.

g.     Ala “A Pedra e o Bronze”
Apresenta os materiais na produção das imagens: Mármore de Carrara, bronze e pedra-sabão.

h.     Carro “Os Europeus trazem a Cruz e a espada”
As caravelas foram as primeiras imagens que os indígenas avistaram dos europeus. O símbolo da Ordem de Cristo, tão representativo do período. A cruz, primeira imagem construída pelos aventureiros e as capelas erguidas demarcavam os signos europeus, além das vestimentas. Já a fauna e flora nativa e o nu dos nativos despertaram a atenção dos europeus. O contato entre as duas culturas permitiu um “movimento dialético” para ambos os lados.

i.       Ala das Baianas: “Luis XIV, o rei-sol”.
Apresenta a riqueza do rei que utilizava exaustivamente sua imagem para governar, ditando a moda européia.



j.       Carro “Entre o fausto e o falso: a arte de Aleijadinho e o inferno dos Negros”
As imagens e arquitetura barroca na Colônia. O pelourinho e os castigos corporais aos negros. A imagem produzida de Tiradentes e a construção do “herói nacional”.


k.     Ala “A Guilhotina”
A imagem do terror da Revolução Francesa, que marcou o período contemporâneo.

l.       Ala das crianças: “O Grito do Ipiranga”
“Brincar” é essência do carnaval. Aqui brinca-se com a imagem criada do regente D. Pedro e o grito do Ipiranga. Ressignificando o episódio histórico, coloca-se as brincadeiras de criança reproduzindo o evento: chapéu e espada de jornal. As crianças estão com um burro atravessado no corpo, como nas festas do norte/nordeste. Roupa desarrumada porque o jovem voltava de Santos e que estava desarranjado, tendo se aliviado no Ipiranga, segundo alguns relatos de época.

m.  Carro “Ordem e Progresso: a República que nasce”
A grande quantidade de imagens produzidas na instalação do novo regime. O símbolo da República. A Praça XV e a alegoria da República de Niterói com o destaque representando a República. A reforma Passos e a nova imagem produzida com o surgimento da favela. O novo cidadão. Colocar indivíduos representando as figuras históricas do período.


n.     Carro “Túmulos, anjos, protetores e heróis: monumentos aos mortos”
O cemitério é espaço marcante nas cidades. Carrega contos e lendas populares. A idéia é elaborar representações das imagens existentes no cemitério São João Batista, Botafogo, já que há esforço de colocá-lo no roteiro cultural da cidade, devido as obras de artes existentes e as figuras históricas ali repousadas. A relação entre a vida e a morte e suas representações imagéticas (pode-se utilizar o Triller, de Michael Jackson já que pensam em monumentalizá-lo em uma comunidade). O túmulo de Caxias e o monumento aos Pracinhas. A Praça dos Ex-Combatentes em São Gonçalo e as peças de guerra. A guerra faz os heróis e os mortos. Getúlio Vargas, estadista marcante na história do Brasil, utilizou diferentes estratégias para a promoção de sua imagem. Criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e, quando ditador estadonovista, utilizava estratégias nazi-fascistas de culto ao chefe e personificação do poder, discursos no rádio e no Estádio São Januário. Seu memorial com grande busco está no bairro da Glória, erguido em comemoração aos 50 anos do suicídio.

 Ala “As imagens do Futebol”
Maracanã é símbolo da cidade do Rio de Janeiro e do futebol brasileiro. Os clubes se mostram através de suas imagens. Botafogo possui a mais marcante, dentro das estatuárias, que é o Manequinho, Vasco possui o busto do herói e navegador português exposto em São Cristóvão, Flamengo pela recente estátua do Galinho. Bandeiras e faixas das torcidas reforçam a relação do popular. A bola. A estátua de Belini homenageando o bicampeonato mundial. As taças e troféus.

p.     Ala Cartão-postal
Indivíduos vestidos de cartão-postal com diversas imagens dos monumentos mundo a fora: Esfinges, Estátua da Liberdade, Muralha da China, Big Ben, Alpes Suíços, Pirâmides Incas, Tótens dos indígenas americanos, torre de Pisa e diversas imagens marcantes mundo afora que fazem a ligação direta entre signo e significado: o monumento e seu lugar de origem. Detalhe nos selos dos cartões, remetendo ao lugar de origem das imagens.

q.     Ala “Bloco de Rua, é pra lá que eu vou”!

A nova força dos blocos trouxera uma imagem à  cidade no carnaval. Diversos personagens históricos acompanham os blocos de Rua. A idéia é fazer uma homenagem aos blocos e que até  as estátuas, quando o bloco passa, desce do pedestal, se junta ao povo e cai na folia. A idéia da chamada “reversão carnavalesca”  aqui fica clara. O sujeito histórico, pertencente à elite, sai de sua posição sócio-econômica, já que o carnaval, em essência, torna todos, por alguns momentos, sem distinção social: o favelado vira rei e o rei vira mendigo. Já tem ligação com o próximo carro, que chama atenção para a preservação do patrimônio da cidade. Os participantes dos blocos devem respeitar os monumentos em dia de festa.

r.       Carro “Deixem meus óculos em paz!”
Um grande pombo representa a depredação do patrimônio da cidade. Artista representando Drumond procurando seus óculos com um cartaz: “Leiam meus livros e deixem meus óculos em paz!”, conforme protesto popular e anônimo realizado. A questão da limpeza das praças. O “choque de ordem” da urina e os banheiros químicos (para reflexão), nova imagem dos carnavais de rua. Pichações. O pedestal da imagem de Feliciano Sodré em Niterói, com um grande ponto de interrogação em cima, uma vez que foi furtada. Cachorros defecando. Conscientizar a população da preservação dos espaços públicos.

s.      Ala “O Grafite”
Expressão imagética popular, que saiu da periferia e ganhou os museus de todo o mundo. Elementos com latas de spray para pensar a dicotomia entre pichação e grafite. Como no carro da frente criticou a pichação, aqui realce a arte do grafite. Pode-se colocar grafiteiros “ao vivo” trabalhando o símbolo da Escola (painel por trás do carro “Deixem meus óculos em paz”, sendo visto semente pela traseira do carro).

t.       Carro “Viva a cidade! Viva o Rio!”
O Gigante Adormecido cai na folia. Corcovado, Pão de Açúcar e Dois Irmãos representam a imagem da natureza carioca. O calçadão de Copacabana e as imagens de Cartola, Pixinguinha e Caymmi e Noel Rosa e Carlos Gomes juntos na orla carioca representando o retorno das imagens ao inanimado, no raiar da quarta-feira de cinzas. A idéia é despertar o olhar para a grande quantidade de imagens espalhadas pela cidade e que este patrimônio, mesmo representando discursos políticos e intenções de grupos sociais, assim como a natureza carioca, é patrimônio da cidade, motivo pelo qual todos devem preservá-las. O lugar do povo é na rua, é na praça e o carnaval torna (mesmo que por alguns dias) todos iguais. Colocar centenas de fotos dos monumentos da cidade ou telão apresentando-os numa projeção de slides.

Obs1: a Velha-guarda vem de bronze, representando a própria memória, a história monumentalizada da agremiação. Os ícones da Escola.

Obs2: A bateria representa a bandeira nacional, o símbolo marcante. Irá empolgar a Avenida e levantar a torcida.

Obs3: passista e bateria são alas.



A idéia nasceu como pesquisa acadêmica, e foi tomando forma de enredo ao ser peça importante na constituição da história do povo brasileiro, na formação (ainda que intencional) da identidade brasileira.
As estátuas estão espalhadas pela cidade. Silenciosas, não estão lá por força do acaso. As intenções são as mais diversas possíveis. E quem as colocou? Em que momento? As representações da história e dos grupos políticos no espaço urbano é feita pela estratégia visual: espalha-se marcos, monumentos, estátuas e áreas de circulação da população. E cada época vai reproduzir seus heróis, os benfeitores que devem permanecer monumentalizados para a posteridade.
Já que a essência do carnaval é a brincadeira, imaginem se as estátuas ganhassem vida e pudessem se comunicar com o público? Afinal, a colocação das estátuas nos espaços centrais da cidade não objetivam uma comunicação com os cidadãos?
Mas para isso acontecer, faz-se necessária a presença de um mestre que tenha o poder de animar as estátuas. E Michelangelo, em turismo pela cidade para conhecer as belezas do Rio de Janeiro, dá vida aos monumentos: José Bonifácio, D. João VI, D.Pedro I, Oswaldo Cruz, Pereira Passos, Gandi, Pixinguinha, Cartola, Machado de Assis, Araribóia... são tantas figuras monumentalizadas que torna-se necessário a produção de uma lista...
Aqui a história só está começando! E já que o carnaval tem a força de tornar todos iguais, mesmo que por alguns dias, o que seria de juntar figuras históricas ilustres com o povo do Rio de Janeiro e seus visitantes? E a preservação do patrimônio histórico e artístico da cidade? E o papel da população e seus respectivos animais na conservação dos espaços públicos? A brincadeira, assim como a conscientização, fazem parte dessa proposta!!!



1 Graduado em história pela UERJ/FFP. Especialista em Sociologia Urbana e Mestre em história política pela UERJ. Professor da rede estadual de ensino.
2 KNAUSS, Paulo (org.). Sorriso da cidade: imagens urbanas e história política de Niterói. Niterói: Fundação de Artes de Niterói, 2003, p.11.
3 CAVALVANTE, Jardel Dias. Davi, de Michelangelo: o corpo como idéia. http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2926. Acesso em 21 fev. 2010.
4 As gárgulas, na arquitetura, são desaguadouros, ou seja, são a parte saliente das calhas de telhados que se destina a escoar águas pluviais a certa distância da parede e que, especialmente na Idade Média, eram ornadas com figuras monstruosas, humanas ou animalescas, comumente presentes na arquitetura gótica (Wikipédia).


Um comentário:

  1. Nossa...trabalho bem fundamentado...só muito extenso poderia ter sido mais conciso.

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