Nair de Teffé – A PRIMEIRA-DAMA SAPECA
A ideia de apresentar esse enredo é falar sobre uma mulher corajosa, curiosa, sem limites, capaz de quebrar infinitas barreiras. Aquela que quando todos pensavam que já tinha sido capaz de tudo, surpreendia apresentando mais uma novidade.
Será apresentado nesse "esboço" de enredo uma mulher com talento para ser pioneira como poucas, alguém à frente do seu tempo, com participação efetiva na formação cultural do Brasil no inicio do século XX. Uma mulher ousada, envolvida nas mais variadas artes, e com trabalho expressivo como cartunista, atriz, cantora, pintora e pianista. Incansável!
Ainda foi primeira-dama! E para quem até hoje pensa que primeira-dama deve ser uma mulher recatada, dona de casa... Vai ter que rever os seus conceitos, pois apresentamos:
Ainda foi primeira-dama! E para quem até hoje pensa que primeira-dama deve ser uma mulher recatada, dona de casa... Vai ter que rever os seus conceitos, pois apresentamos:
É 26 de outubro de 1914, depois dessa noite o Palácio do Catete e nem a música brasileira serão mais os mesmos. É preparada uma festa que causará um escândalo sem precedentes na história do país.
A responsável por esse rebuliço é a primeira-dama, a sapeca Nair de Teffé, que planeja executar no palácio presidencial uma música considerada “vulgar, selvagem, irmã gêmea do batuque e do samba”... Trata-se do maxixe “Corta Jaca” de autoria de Chiquinha Gonzaga. A sociedade está chocada com tamanha "ousadia e vulgaridade" dessa mulher.
A razão da execução é a ausência de música brasileira no palácio presidencial. Nair, como ela mesma diz, vai fazer uma noite “prafrentex” e este corajoso episódio entrará para a história do país, e da música, como a “carta de alforria da música popular brasileira”. Um episódio tão marcante que depois dessa noite a elite passará a ver a música nacional com outros olhos.
Mais sobre o episódio:
Mas quem era essa mulher?
Nair de Teffé já nasceu sendo a primeira, ela adorava contar que foi a primeira com o nome de Nair que nasceu no Brasil, isso em 10 de Agosto de 1886. Nair era de origem abastada, filha do rico e poderoso Barão de Teffé, morou na França para estudar e recebeu toda sua formação lá, posteriormente voltou para o país. E voltou com tudo! Lançou moda, sendo a primeira mulher em solo brasileiro a usar calças compridas, já que naquele tempo isso era roupa "exclusiva" de homens.
E a jovem, ainda menina, não tardou também a desenvolver seu trabalho como cartunista, com publicações em vários jornais e revistas da época. Como se não bastasse ousadia de ser uma das poucas mulheres que trabalhavam no país, com esse feito, Nair será considerada a primeira mulher cartunista do mundo! E mais do que ser meramente a primeira! Seu trabalho será expressivo, obtendo inclusive reconhecimento internacional ,sendo publicado em revistas de outros países, com direito até premiação do governo francês. Oh-la-la!
E a jovem, ainda menina, não tardou também a desenvolver seu trabalho como cartunista, com publicações em vários jornais e revistas da época. Como se não bastasse ousadia de ser uma das poucas mulheres que trabalhavam no país, com esse feito, Nair será considerada a primeira mulher cartunista do mundo! E mais do que ser meramente a primeira! Seu trabalho será expressivo, obtendo inclusive reconhecimento internacional ,sendo publicado em revistas de outros países, com direito até premiação do governo francês. Oh-la-la!
Famosa revista Fon-Fon, uma das principais revistas em que Nair, assinando como RIAN, publicava o seu trabalho. |
Nair como cartunista era ousada e debochada, fazia troça dos gostos e costumes da elite brasileira. Era um verdadeiro terror da alta sociedade, todos quando lhe avistavam se escondiam dos seus olhares com medo de serem as próximas vítimas do "terrível monstro cruel e insensível" chamado "RIAN", codinome que ela assinava ( que era Nair de trás para frente).
“Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu.” Disse Rui Barbosa. |
Mulher vítima de Rian, essa não gostou de aparecer no jornal... |
Inquieta, Nair também foi pianista, cantora e atriz... a mulher se metia em tudo! Como atriz obteve grande sucesso como na peça de Coelho Neto, “Miss Love”. Como cantora se orgulhava de ter chegado a se apresentar em Londres cantando trechos do “Guarani” de Carlos Gomes. Criou a Troupe Rian, onde montou e encenou peças de diversos autores brasileiros e, o principal, a renda com os ingressos era destinada a construção da Catedral de Petrópolis, catedral importante, essa que é exatamente onde fica o mausoléu imperial, abrigando os restos mortais de Dom Pedro II, Princesa Isabel e outros membros da família imperial.
Famosa Catedral de Petrópolis - Nair de Teffé ajudou a construir. |
primeira-dama ficou mais comportada, mas veja bem... Só pelo episódio do escândalo "Corta Jaca", no palácio presidencial já valeu por sapequices de todas as primeiras-damas... E ela não ficou só nisso, adorava quebrar os formais protocolos de chefe de estado, contam que certa vez invadiu uma reunião ministerial com um vestido contendo caricaturas de todos os ministros. O choque de todos foi geral!
Mesmo depois de ser primeira-dama, ela vai seguir "causando", enfrentando a sociedade, vai escandalizar mais uma vez quando nos anos 20, começa a frequentar um bar! Lugar proibido até então para mulheres! Nair de Teffé passa a fazer "exposição da sua figura" no bar do Jeremias, famoso espaço da intelectualidade boêmia. Pensava a sociedade: "Lá está a primeira-dama, rodeada de homens, conversando sozinha com homens, um horror!".
Nair de Teffé também participou da Semana de Arte Moderna de 22, foi membro da Academia de Fluminense de Letras, chegando a presidência, a primeira de uma mulher em uma Academia de Letras país. Também fundou um dos mais importantes cinemas do Brasil, o Cinema Rian que ficava na Avenida Atlântida, em Copacabana, de frente para o mar!
"Eu acho legal nós dois um casal
Diga ao seu passado Bye bye
Unir nossas mãos num fim de semana
Andar nas areias de Copacabana
Pegar matinê no Rian com você
Um grande amor não será jamais
Demodée..."
Cinema Rian, até hoje na memória e no coração de muita gente. |
Música em homenagem ao Cinema RIAN
Matinê no Rian
Diga ao seu passado Bye bye
Unir nossas mãos num fim de semana
Andar nas areias de Copacabana
Pegar matinê no Rian com você
Um grande amor não será jamais
Demodée..."
Isso tudo é só uma palhinha da grande Nair de Teffé...Uma pioneira que abriu caminho não só para as mulheres, mas para todos que desejam romper com as regras rígidas e o moralismo muitas vezes hipócrita da sociedade.
Ela até hoje é um grande exemplo para "aqueles e aquelas" que desejam simplesmente ter a liberdade para fazer o que gostam, viver como desejam, encontrar a felicidade sem ter seguir rótulos, tabus, "pré"-conceitos e tantas regras "pré"-estabelecidas determinadas por proclamados "donos" do que é certo e errado.
Muita coisa pode se explorar desse tema, ela tem muita história pra contar, basta apenas mergulhar com mais profundidade no “mundo dessa primeira-dama sapeca”!
ATENÇÃO: Esse que será apresentado é um esboço de enredo, uma especie de modelo "sugerido", mas não obrigatório (o autor ainda será livre para trazer o seu esboço de enredo como desejar).
Mas é com essa apresentação de Nair de Teffé, que o concurso passa a abrir caminho também para esboços de enredos, ideias não concluídas, mas que podem ser expostas e compartilhadas, mas que por estarem "incompletas" não concorrem.
Os participantes assim se desejarem podem entregar esboços, mas devem avisar que se trata de um "esboço" de enredo, informando que desejam apenas expor a ideia e não concorrer. Por isso, mesmo incompleto se o autor não especificar que não deseja ser "esboço" e Hors Concours, irá concorrer normalmente. A opção de concorrer ou não concorrer sempre será do autor, a Organização do Concurso de Enredos está apenas com essa ideia abrindo mais espaço para quem deseja expor as suas ideias, reservando esses "esboços, enredos não concluídos" um espaço para também serem apresentados, sem sofrerem eventuais penalidades de regulamento. A proposta é: Está apenas interessado em mostrar uma ideia de enredo? Venha! Nós também temos esse espaço para você!
Os participantes assim se desejarem podem entregar esboços, mas devem avisar que se trata de um "esboço" de enredo, informando que desejam apenas expor a ideia e não concorrer. Por isso, mesmo incompleto se o autor não especificar que não deseja ser "esboço" e Hors Concours, irá concorrer normalmente. A opção de concorrer ou não concorrer sempre será do autor, a Organização do Concurso de Enredos está apenas com essa ideia abrindo mais espaço para quem deseja expor as suas ideias, reservando esses "esboços, enredos não concluídos" um espaço para também serem apresentados, sem sofrerem eventuais penalidades de regulamento. A proposta é: Está apenas interessado em mostrar uma ideia de enredo? Venha! Nós também temos esse espaço para você!
Agora falando desse "esboço de enredo'':
Esse “esboço de enredo” que será apresentado se encontra aberto para quem quiser “adotar”, pegar o enredo e desenvolver como preferir até para disputar o concurso...
Como não é um enredo concluído terá grande exposição de material de pesquisa, incluindo vídeo e textos que falam mais sobre o tema do enredo. Não tem apresentação de roteiro, exatamente para não influenciar caso alguém desejar desenvolver, mas o alicerce para fazer um belo enredo está aí:
Como esse enredo é "esboço". Fiz uma seleção de textos e trechos para aprofundamento da pesquisa a seguir:
9/8/2011
Era a manhã de sol do dia 26 de outubro de 1914 nos jardins do Palácio do Catete. O rebuliço era enorme. Pessoas corriam de um lado para o outro. A festa que se anunciava seria como uma despedida do presidente. A primeira dama, Nair de Teffé, havia se esmerado e queria fechar com chave de ouro sua passagem pelo Catete, desanuviando o ambiente já tenso por conta de eleições próximas. No entanto, havia mais alguma coisa na cabeça da primeira-dama. Chateada de assistir às cerimônias oficiais que não mostravam a cultura brasileira, preparou uma surpresa que deu o que falar, tornando-se um escândalo nacional. Ela convocou o compositor Catulo da Paixão Cearense para acompanhá-la, com seu violão, na apresentação da música que ela considerava a mais brasileira, o maxixe “Corta-Jaca”, de Chiquinha Gonzaga. Juntavam-se na surpresa duas coisas explosivas para uma recepção diplomática: o violão, instrumento da malandragem; e o maxixe, ritmo popular considerado sensual.
A repercussão foi terrível, e fez com que Rui Barbosa registrasse no diário do Congresso Nacional um violento pronunciamento: “Uma das folhas de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria?” Misto de crítica moral e política, o pronunciamento incorporava as brigas políticas da época e abriu caminho para mais uma história de presidentes.
O melhor texto que achei sobre toda a história dela, que eu recomendo como ponto de partida para entrar no Universo de Nair de Teffé!
Joaquim Eloy dos Santos
No Brasil dos homens surgiu num espanto a mulher desafiadora, corajosa, inteligente, vivaz, nascida a 10 de junho de 1886, filha de um dos notáveis do Império, Antonio Luiz Von Hoonholtz, o Barão de Teffé e esposa MariaLuisa Dodsworth, de família de expressiva tradição. Nair de Teffé vinha ao mundo no crepúsculo do Império e, no ano seguinte, estava com os pais residindo em Paris; depois Bruxelas (Bélgica), Nice (França), novamente Rio de Janeiro, em seguida Roma, novamente na França, enquanto os anos passavam e Nair já era menina moça de 15 anos. Sua educação foi esmerada e sua cultura aprimorada nos melhores educandários da Europa. Em 1905 seu pai retornou definitivamente ao Brasil, após brilhante carreira diplomática, elegendo Petrópolis para residência, mantendo casa do Rio, porém extrapolando sua permanência sazonal na Cidade de Dom Pedro II, além do habitual de seus coevos. A carioca Nair apaixonou-se pela bela, bucólica e florida Petrópolis.
Além da educação formal recebida no lar e nos educandários para moças, a irrequieta jovem possuía predicados pessoais que espantavam os circunstantes sociais de seu tempo: cantava afinada e com bela voz, desenhava com apuro e criatividade, corria livre pelos caminhos em alegria diversa das moças de seu tempo, cavalgava com maestria, conversava nos salões com desenvoltura e, na ingenuidade feminina daqueles tempos, escandalizava o rubor das senhoras programadas de narizes empinados; escrevia, poetava, seu espírito era vivaz, arguto, aquilino, caricaturando a sociedade como "homem".
Feminina, bela, recebia olhares, bilhetes, cartas que deliciavam sua verve buliçosa e inspiravam suas tiradas sibilinas e, às vezes, desconcertantes. Tudo com muita graça e particular encanto.
Nair alcançou enorme e merecido sucesso com suas caricaturas, publicadas e disputadas pela Imprensa das duas primeiras décadas do século. Alimentou especial dedicação à arte cênica, amava o teatro. Coelho Netto escreveu para ela "Miss Love", peça que protagonizou e foi sucesso no Rio e tem Petrópolis. Trabalhou na companhia do grande ator-empresário Leopoldo Fróes na peça "Longe dos Olhos" apresentada em Petrópolis para encanto da sociedade local e veranistas o que levou Nair à organização da "Troupe Rian", montando e encenando peças dos destacados autores daqueles dias, como Abadie Faria Rosa, Álvaro Moreira, Afrânio Peixoto, Cláudio de Souza e do petropolitano Reinaldo Chaves. A Imprensa local e do Rio de Janeiro acompanhavam a atividade cênica de Nair de Teffé, rasgando elogios ao trabalho artístico e à finalidade de sua "Troupe" que era angariar fundos para a construção da Catedral de Petrópolis e beneficiar algumas obras sociais.
No dia 8 de dezembro de 1913 casou, no Palácio Rio Negro, com o presidente da república, Marechal Hermes da Fonseca, tornando-se primeira dama do País aos 27 anos de idade. Imediatamente quebrou os protocolos, abriu os palácios, levou música alegria e cor para sisudez daqueles espaços burocráticos e ardilosos. Talvez o grande dramaturgo Bernard Shaw conhecesse Nair para escrever o seu "Pigmalião", notadamente na fase do apuro da dama simples na convivência com os notáveis palacianos. Ficou famoso o fato de Nair levar Catulo da Paixão Cearense e Chiquinha Gonzaga para recitais no Palácio do Catete, no ano de 1914, ensejando críticas terríveis aos conservadores, à frente Ruy Barbosa. Apesar de Ruy, o "Corta-Jaca" foi um sucesso!
Deixando a presidência, o casal Hermes da Fonseca refugiou-se em Petrópolis para descansar das atribuições políticas enervantes e desgastantes. Nem bem haviam passados 90 dias de recuperação, um acidente atingiu Nair de Teffé. Foi no dia 16 de fevereiro de 1915 que o cavalo puxador de charrete que levava Nair e seu pai para Correas, onde passariam o dia com o Dr. Edwiges de Queiroz, assustou-se, disparou e arremessou a condução a um barranco. Em consequência, a bela Nair sofreu contusão séria, sendo recomendado tratamento especializado na Europa, para onde seguiu no dia 3 de agosto de 1916. No Velho Mundo cumpriu à risca as determinações médicas, os exercícios fisioterápicos e sua recuperação foi quase total.
Muitos fatos marcaram a vida dessa extraordinária mulher. Ela viveu com intensidade seus dias de juventude até o falecimento de seus pais e, já viúva do esposo, Marechal Hermes da Fonseca. Na década de 1940, transferiu sua residência para Niterói e não mais foi vista em Petrópolis. Cerca de 40 anos depois, no dia 27 de fevereiro de 1975, a Academia Petropolitana de Letras, por mim presidida, trouxe Nair de Teffé a Petrópolis, para lançar o livro, "A verdade sobre a Revolução de 1922". Numa bela noite, ela autografou a obra deitando especial carinho para cada qual, de todos lembrando o nome, conversando sobre o passado, recordando passagens de sua vidapetropolitana. Em 1979 retornaria para receber o título de Cidadã Petropolitana, atrasado, porém, nunca tardio. A proposta foi do vereador Nilson Plat Filho.
Sobre Nair de Teffé, foi lembrada, sua atuação na área cultural, principalmente na arte cênica, em contribuição para os historiadores que escreveram a História do Teatro em Petrópolis. Nair de Teffé foi um grande nome da cultura teatral petropolitana como o foi das letras e artes plásticas.
Na revista "Fon-Fon", de 1909 a 1910, uma coluna denominada "Esbocetos", assinada por Fiorelli, retratava perfis das personalidades notáveis da vida social carioca. Sobre Nair de Teffé disse: "Miúda, miudinha, mimosa, frágil, delicada, uma figurinha de biscuit, digna de luxuosa etagére envidraçada e de pelúcia forrada. Uma tetéia, um fetiche, que compensa a exiguidade corporal por uma exuberância de vida e de graça. Fala com calor, sibilando muito levemente as palavras, num arroubo constante, das suas predileções. Pontua as frases lapidadas na sua excelente cultura intelectual. Adora a música, o teatro, a agitada existência mundana e o... Fon-Fon! É uma amadora muito disputada, e em quase todos os programas de festas de beneficência, no Rio e em Petrópolis, aparece o seu nome gentil e mingnon como a sua possuidora, curtinho, pequenino, leve como uma mariposa, melodioso como um gorjeio".
A frágil e vivaz Nair era assim mesmo. O retrato de Fiorelli era perfeito. Enquanto as mulheres falavam de futilidades nos salões, a irrequieta filha do Barão de Teffé caricaturava; enquanto as moças dedilhavam estudos nos pianos, nas reuniões de família, a pequenina e bela Nair era emérita e talentosa pianista e cantava com argentina e afiada voz. Adorava o teatro não apenas como espectadora de nariz empinado nos camarotes, mas, acima de tudo, nele atuava com talento e invejosa graça.
Nair de Teffé, a Rian das caricaturas, era mordaz, crítica, satírica, de traços vibrantes, bem no estilo do desenho francês. Ela retratou muitas personalidades: o pai Barão de Teffé, as senhoras e moças da sociedade, os políticos, personalidades internacionais e criou deliciosas charges para o livro "Petrópolis, a Encantada", de Otto Prazeres, no ano de 1922, com destaque para "o trem dos maridos", "a chegada de um "Diário", "as elegantes", "melindrosas e almofadinhas", "Deves-se bater nas mulheres?", "Petrópolis, Estação de Águas", "o emprego de genro", "Petrópolis... que não ri", "Petrópolis, o flirt". No fim da vida Nair ainda pegava canetas, lápis e tintas para retratar personalidade contemporâneas, que guardava nas gavetas: Café Filho, Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Costa e Silva, Paulo Gracindo, Grande Otelo, Aracy de Almeida, Sílvio Santos e outros.
Nair de Teffé, a pianista e cantora, encantava os saraus e reuniões com seu talento. Apreciava a música erudita e, acima de tudo, a música popular brasileira. Notável o seu feito pioneiro de prestigiar a música popular nossizudos salões palacianos do poder, quando promoveu apresentação de Chiquinha Gonzaga no Palácio do Catete, irritando profundamente o conservador Rui Barbosa, que não poupou críticas à esposa do Presidente da República, sendo por ela, imediatamente caricaturado com irreverência e - em termo de hoje - notável gozação. Como pianista, sua formação foi clássica, como todas as moças da sociedade de seu tempo. Foi aluna de JulesNicate, diretor do Conservatório de Lausanne, Suíça, e, no Brasil, dos maestros Arthur Napoleão e Oscar Guanabarino. Estudou violino, por volta de 1920.
Uma das grandes emoções de sua vida, que recordou com saudade até a morte, foi ter cantado em Londres trechos do "Guarani", de Carlos Gomes, no Winter Palace, num festival em benefício dos feridos da Primeira Guerra Mundial, em 1918.
Nair de Teffé, atriz de teatro, era vocação nata. Seu pai, o Barão de Teffé, era um amante da arte cênica tendo escrito uma peça para o palco: "Justiça de Deus". Nair interpretou, em 1912, a peça escrita especialmente para ela por Coelho Netto "Miss Love", no papel título; formou uma companhia de teatro "Troupe Rian", que ensaiou e encenou muitas peças com destinação filantrópica. O grande ator-diretor produtor Leopoldo Fróes deu-lhe uma ponta em "Longe do Olhos". Nair não teve condições de prosseguir na carreira teatral por haver casado com o Marechal Hermes da Fonseca, então político de prestígio e naquele instante presidente da República. Quando este faleceu e depois perdeu o pai, Nair já não desfrutava do viço da juventude. Os recursos financeiros deixados pelo pai foram absorvidos em despesas necessárias e muito no "jogo-do-bicho" de que gostava a irriquieta senhora. Ao partir de Petrópolis, com as últimas economias, construiu e abriu o Cinema Rian, na Avenida Atlântica, nº 2965, em prédio com 4 andares, que explorou pessoalmente por algum tempo até ser envolvida numa sociedade com o exibidor e distribuidor Luiz Severino Ribeiro que, afinal, ficou com o cinema e o prédio em 1946. Condenado pela expansão imobiliária de Copacabana, o prédio "pegou fogo" em março de 1975. "Foi castigo". - disse Nair em entrevista a "O Fluminense", edição de 29 de março de 1975.
Nair ficou sem nada. Foi viver em Niterói com seus filhos adotivos e seus animais domésticos. Ali, no ostracismo, escreveu o livro "A Verdade sobre a Revolução de 1922". Lançado com sucesso em vários pontos do país, e, em Petrópolis, em 27 de fevereiro de 1975, em promoção da Academia Petropolitana de Letras, com apoio da Prefeitura Municipal e da Imprensa Petropolitana.
A grande dama partiu no exato dia em que completou 95 anos de idade: 10 de junho de 1981. Foi sepultada na campa do esposo Marechal Hermes da Fonseca, no Cemitério de Petrópolis, próxima ao túmulo de seus pais na Petrópolis que amou e dignificou tanto.
Nair de Teffé. A protetora dos músicos populares.
Trechos do texto:
Outra personalidade a desafiar os costumes foi Nair de Teffé, segunda esposa do Presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca, que governou o Brasil entre 1910 e 1914. Nair de Teffé Von Hoonholtz (1886-1981), seu nome de batismo, tinha 27 anos quando casou com o já quase sexagenário marechal. Tinha educação esmerada - chegou a estudar em Paris, Marselha e Nice. Era ótima caricaturista, tocava piano e tinha comportamento bastante avançado para a época.
A jovem primeira-dama escandalizou a sociedade conservadora do Rio de Janeiro ao promover saraus nos salões do Palácio do Catete, dando oportunidade ao músico Catulo da Paixão Cearense de introduzir o violão, instrumento, até então, renegado nos salões da elite brasileira. A primeira dama, realmente, tinha grande paixão pela música popular e ficara intrigada ao ouvir um comentário de Catulo de que nas recepções oficiais só se tocava música estrangeira. Assim, em 26 de outubro de 1914, aproveitando as solenidades de despedida da gestão do marido, abriu espaço, em uma recepção oficial, para a música brasileira com direito a desempenho pessoal tocando o maxixe “Corta-Jaca”, da lendária pianista brasileira Chiquinha Gonzaga, a quem a primeira dama nutria uma grande admiração.
O evento ficaria conhecido como “A Noite do Corta-Jaca”. Anos depois, Rian - pseudônimo utilizado pela polêmica Primeira-dama (Nair ao contrário) - declararia que a festa foi um sucesso e definiu o evento com o termo “Noite prafrentex” e que havia desafiado a sociedade que valorizava o erudito em favor do ritmo popular brasileiro.Na verdade, o Maxixe já fazia sucesso na Europa, principalmente na França, onde foi difundido por artistas brasileiros, a exemplo do dançarino Duque. O ritmo era dançado com características sensuais e incomodava até a alta cúpula da Igreja Católica que o considerava, em conjunto com o tango argentino, ofensivo à moral e, portanto, proibida a cristãos. Ficaram famosas as quadrinhas popularizadas pelo espírito gozador do Carioca.
Se o santo Padre soubesse
O gosto que o tango tem,
Viria do Vaticano
Dançar o maxixe também.
Dentro desse clima de embate entre defensores do excomungado ritmo nacional e a corrente mais conservadora, o atrevimento da Primeira Dama gerou uma série de críticas. Jornais estamparam manchetes, muros amanheceram pichados com caricaturas de “Dudu da Urucubaca” - apelido conferido ao presidente, por ser considerado azarado e vítima de várias crises no seu governo, como a Revolta da Chibata. Quadrinhas satíricas apareciam nos jornais ridicularizando o velho presidente, coisas como:
O Duduzinho
Da Urucubaca
É o homenzinho
Do Corta-jaca
[...]
Mulata de perna grossa
Cavaca no chão, cavaca
Quero ver para quantos vales
No jogo do Corta-jaca
[...]
Não uso arma nenhuma,
Nem bacamarte, nem faca!
Uso apenas o meu “pinho”
Pra tocar o "Corta-jaca”!
...
Na quitanda tem legumes
No açougue carne de vaca
Na padaria tem roscas
No Catete “Corta-Jaca”.
[...]
Dentro desse clima, até o nosso grande Rui Barbosa, que era visto nos cinemas ouvindo os recitais de Ernesto Nazareth (ver detalhes aqui), indignou-se e proferiu um violento discurso no Senado Federal:
“[...] Uma das folhas de ontem estampou em fac-símile o programa da recepção presidencial em que diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria?”
Hoje considerado uma tolice preconceituosa, o que Rui Barbosa buscava no discurso era desgastar, ainda mais, a imagem do presidente Hermes, seu opositor político e que o derrotara na última eleição presidencial, em um pleito, como era comum na época, marcado por denuncias de fraudes eleitorais. Nair iria se vingar publicando uma caricatura ridicularizando o nosso Águia de Haia. Fala-se que um irritado Rui Barbosa teria retrucado: “Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu.”
O desgaste político sofrido pelo presidente, que já não era muito popular, foi evidente, mas não adiantou tanta indignação dos mais conservadores e do nosso grande civilista baiano: aos poucos, nossos pioneiros do samba, graças a seus protetores e, obviamente, grande talento, foram ganhando espaço nos salões da classe média. O nosso maxixe ia amadurecendo, aos poucos ganhava um ritmo mais veloz que se consolidaria como o preferido dos brasileiros: nasceria em breve o nosso querido samba na forma que conhecemos agora.
Outro ótimo texto :
Nair De Teffé (Parte 1)
Um texto de Luiz Carlos Ramos adaptado de uma crônica de H.Werneck
Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete. Nair de Teffé! Uma espécie de Leila Diniz, só que meio século antes, e muito mais atrevida.Ela era de uma ousadia sem limites, em uma remota noite de Outubro de 1914, durante uma recepção oferecida ao corpo diplomático. No formalismo Palácio do Catete, onde imperava a musica erudita, Nair que estava na casa dos 28 anos, fez soar os acordes plebeus da musica Corta-jaca de Chiquinha Gonzaga.Prestem atenção nos versos da musica: (Essa dança é buliçosa, tão dengosa/que todos querem dançar/Não há ricas baronesas, nem marquesas/que não queiram requebrar…) Esses versos foram acompanhados por um instrumento prosaico, o violão, associado à boemia, portanto aos maus costumes. Agora, vejam; quem dedilhava o violão era nada mais nada menos que a mulher do Presidente da Republica, Nair de Teffé.Como eu disse, ela era ousada e já velhinha em certa ocasião ela disse a respeito daquela noite. Foi uma noite prafrentex.E foi prafrentex mesmo, porque o marido dela o marechal Hermes da Fonseca, em 1907, ministro da Guerra do Governo Afonso Pena, havia proibido as bandas militares de executar maxixes. A Igreja Católica também embirrou com o ritmo pagão: em janeiro de 1914, o cardeal Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, condenou a dança indecente, na qual, conforme descrição de um jornalista da época, macho e fêmea davam a impressão de quererem possuir-se. E agora essa pouca vergonha irrompia no Palácio do Catete por iniciativa daprimeira-dama.O então senador Rui Barbosa, que em 1910 havia sido derrotado por Hermes da Fonseca na disputa pela presidência da Republica, subiu á tribuna para fulminar o Corta-Jaca, dizendo: --- Essa é a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, trovejou o Águia de Haia, indignado com o que considerava uma profanação estética do palácio presidencial.
A irreverente Nair de Teffé reagiu com humor: lascou uma impiedosa caricatura de Rui Barbosa, fazendo o senador reclamar: Certas mocinhas se divertem fazendo gracejos à custa de homens sérios como eu.
Nair era precoce na arte de alfinetar com o lápis de chargista. Aos nove anos, interna num colégio de freiras em Nice, no sul da França, foi castigada por retratar a nariguda madre superiora. Era pouco mais que adolescente quando seus desenhos começaram a aparecer na imprensa do Rio de Janeiro e de Paris, sob o pseudônimo de Riam.Sua desenvoltura tinha a marca de uma educação liberal, o pai, almirante Antonio Luiz von Hoonholtz, barão de Teffé, e a mãe, Marie Louise Dodsworth, eram gente de mentalidade aberta. E da longa temporada na Bélgica, na Itália e na França, aonde chegou bebê e viveu até os 17 anos. Seus modos parisienses, na volta ao Rio, causaram sensação. Modos e beleza. Nair impressionava a todos.
Dotada também para o teatro, ela enveredou pelo então suspeitíssimo oficio de atriz e protagonizou mais de uma peça. Ela era muita avançada para a época, dito isso por ela mesma, já com 80 anos de idade. Continua na segunda parte (Parte 2)
Nair De Teffé (Parte 2)
Um texto de Luiz Carlos Ramos adaptado de uma crônica de
H.Werneck
O seu romance, com o marechal Hermes, também deu o que falar, a começar pelo fato de que Nair tinha 27 anos, e ele, mais que o dobro, 58. Nair era alta, bonita, exuberante; Hermes, baixinho, calvo e bigodudo, um prato cheio para os chargistas que fizeram dele o alvo predileto nos quatro anos de mandato.
Era presidente quando em novembro de 1912, enviuvou de dona Orsina, mãe de seus sete filhos. Pouco mais de um mês depois, ele caiu de amores pela filha do barão de Teffé. Segundo ela, quando o seu pai lhe apresentou o presidente Hermes, ele segurou a mão dela interminavelmente, e a olhou nos fundos dos olhos com o olhar afogueado de um rapaz de 25 anos.Isso tudo aconteceu no mês de Janeiro de 1913, em dezembro do mesmo ano estavam casados.Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete.
O apaixonado marechal deu corda a sua jovem esposa. Só não gostava quando ela vinha com palpites sobre política, ai ele lhe dizia: Nair cuide de seus pincéis que eu cuido da política. Para não constranger o marido, a jovem primeira-dama adotou um perfil mais discreto, renunciando temporariamente a caricatura. Revelou-se uma impecável dona-de-casa. Pôs ordem no Palácio do Catete, onde desde a morte de dona Orsina reinava o caos. Encerrado o seu mandado, Hermes e Nair passaram cinco anos na Europa.Na volta ele envolveu-se em conspirações militares, que lhe valeram seis meses de prisão, e não tardou a morrer, nos braços da mulher, em 1923.Nair tinha 37 anos. Permanecerá viúva até o fim, fiel a memória daquele a quem se referia, com respeitoso carinho, como… O marechal.Só aos poucos retomou o gosto pelo desenho, adotou 3 crianças e com elas viveu, longas décadas, entre o Rio de Janeiro e Niterói. Nos anos 30, construiu na avenidaAtlântica um cinema, o Rian, seu nome ao contrario, do qual acabou tendo de se desfazer num momento de aperto, há quem diga que a ex-primeira-dama, perdera no carteado o prédio herdado do pai.
Pela mesma razão teria perdido também uma Ilha no litoral de Angra dos Reis, com 10 mil metros quadrados, chamada Ilha Francisca. presente do marechal Hermes.
Nair de Teffé, a Leila Diniz do Palácio do Catete.
A velhice de Nair foi amargada pelas aflições financeiras. Da pensão deixada pelo marido, recebia a metade, a outra metade era destinada a um filho dele que era deficiente.
Mesmo depois da morte do enteado, continuou a embolsar apenas uma parte. No inicio dos anos 70, foi acossada pela Receita Federal, que lhe cobrava impostos atrasados. E a sua reação lembrou a jovem petulante que fora: em vez de preencher o formulário da Receita, desenhou nele uma caricatura do ministro da Fazenda, Delfim Netto.Costumava repetir, por essa época, que não gostava de duas coisas, imposto de renda e ser chamada de primeira-dama.Sempre ela dizia: Tive tudo que uma mulher podia querer, mas, hoje eu não tenho nada.Morando em uma casa alugada em Niterói, por pouco não foi despejada em 1970.Só teve um respiro quando, no governo Médici, passou a receber integralmente a pensão do marido. Vez ou outra, seu nome aparecia na imprensa.
Em 1967, foi convidada por uma emissora de televisão de São Paulo para fazer diante das câmeras uma caricatura do presidente da Republica, marechal Costa e Silva. Para participar do programa, tomou pela primeira vez um avião, e ficou encantada: Poxa é bem melhor que ônibus ou automóvel.Aos 81 anos, dava mostras de estar sintonizada com os temas da atualidade, dizendo estar a favor do Divorcio e ser fã da Jovem Guarda, em outra ocasião declarou, que gostava da moda da mini-saia, com a ressalva que a usuária deveria ter pernas regulares.
Os últimos anos foram vividos em Niterói, em sua casinha, numa saleta atulhada de moveis, que lhe servia também de dormitório, sob os olhares de cães e gatos alojados em estantes delivros.Passava o tempo caricaturando atores de novelas.Foi sem maiores lamentações que aceitou a bengala e depois a cadeira de rodas.Antes de morrer, aos 95, disse: A gente quando é jovem, complica muita a vida e estraga a mocidade.
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